Aposta Moderada: Um Jogo que Você Nunca Ganha (ou Talvez Sim, Depende de Quem Está Apostando)"
Confesso, sempre fui cético quanto a esses slogans de "use moderadamente" ou "jogue com responsabilidade". Não porque duvide da boa intenção por trás de tais mensagens, mas porque, convenhamos, é o equivalente a um traficante de nicotina dizendo: "Fume só quando estiver estressado." A ironia é quase poética, mas aqui estamos, debatendo o que parece ser um novo capítulo no manual das dependências modernas: os aplicativos de aposta.
Antes de continuar, uma observação essencial: este artigo não é sobre você, caro leitor. E, se for, busque ajuda em grupos de apoio ou até mesmo com um médico. Dependência tem tratamento. A questão aqui não é a sua condição, mas o discurso em si – esse teatro moral encenado por empresas que, com um sorriso, oferecem o veneno e a "cura" na mesma embalagem publicitária.
Esses aplicativos prometem um tipo de prazer que não é mais genuíno. Não é sobre o desejo de ganhar, mas sobre o fantasma de ganhar. E, ao sustentar esse fantasma, criam um ciclo discursivo viciante que captura nossa atenção e nos prende em um espaço onde o tempo, o dinheiro e a lógica básica de sobrevivência são devorados. Afinal, como se pode "jogar com responsabilidade" em uma plataforma projetada para sabotar as áreas do cérebro responsáveis justamente por essa responsabilidade?
A ironia é ainda maior quando percebemos que, para que o discurso de "ganhar e ostentar" funcione, ele precisa de uma ancoragem material. Você precisa investir dinheiro real para alimentar uma ilusão discursiva – uma vitória que você compartilha nas redes sociais com emojis de foguinhos e aplausos digitais, enquanto a conta bancária pede socorro. É como pagar para sonhar, mas acordar com pesadelos financeiros.
Agora, vamos ao ponto mais sério: essas apostas não são apenas entretenimento. Elas são armadilhas. E não sou eu quem está dizendo isso; os noticiários nos alertam o tempo todo sobre casos de pessoas que perderam tudo – dinheiro, relações, sanidade – por causa dessas plataformas. É como esperar que alguém use crack "moderadamente" e saia ileso. A proposta de controle é tão utópica quanto absurda.
Não se enganem, essas bets têm muito em comum com outras dependências, como o álcool e o cigarro. A diferença é que, enquanto o álcool e o cigarro ainda têm uma relação direta com o corpo, as apostas mediadas por tecnologia operam em outro nível: roubam nossa atenção, nosso tempo e nossa capacidade de planejamento futuro. Elas capturam o presente e, no processo, esvaziam nossa conta bancária e a nossa existência.
E aqui está o golpe final: a contradição entre o discurso e a prática. Essas empresas promovem slogans de moderação enquanto criam algoritmos para maximizar o tempo que você passa apostando. Elas incentivam a "responsabilidade" enquanto oferecem bônus para quem continuar jogando. É como um vampiro pedindo que você doe sangue "só um pouquinho".
No final das contas, não há como sustentar esse discurso de controle. A aposta moderada é uma ilusão, uma ferramenta discursiva para legitimar o ciclo de dependência. Não é só você quem perde, é a lógica material básica de existência que é atropelada. Então, se você acha que está jogando com responsabilidade, lembre-se: o jogo é projetado para que você perca – não apenas dinheiro, mas a si mesmo.
Caro leitor, se esse texto soou como um espelho, é hora de buscar ajuda. Dependência tem tratamento. Mas, como você deve ter percebido, o sistema não joga do seu lado.
#maispertodaignorancia
@joseantoniolucindodasilva
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