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A Dissolução das Estruturas e o Suicídio: Um Diálogo entre Durkheim, Camus e Twenge



Resumo:

O suicídio é um fenômeno multifacetado que atravessa diferentes períodos históricos e contextos socioculturais. Este artigo explora o aumento das taxas de suicídio na contemporaneidade a partir de uma reflexão teórica baseada em Émile Durkheim, Albert Camus e Jean Twenge (iGen). Argumenta-se que a dissolução das estruturas sociais tradicionais, aliada à fragmentação do "eu" no ciberespaço, contribui para um estado de desamparo e vazio existencial. Durkheim sugere que o amparo social oferecido por instituições como família, religião e sociedade era capaz de proteger o indivíduo contra o desespero. Camus, por sua vez, propõe que o sentido da existência deve ser encontrado pelo próprio indivíduo, mesmo diante do absurdo da vida. Já Twenge revela que o "eu" contemporâneo, diluído nas redes digitais, carece tanto de integração social quanto da capacidade de enfrentamento interno, resultando em um aumento alarmante de suicídios, especialmente entre jovens. Este trabalho busca dialogar com esses autores para levantar uma base reflexiva sobre as transformações que impactam a saúde mental e a subjetividade na contemporaneidade.

Introdução

O aumento das taxas de suicídio na contemporaneidade, especialmente entre jovens, levanta questões fundamentais sobre as transformações nas estruturas sociais e suas implicações na saúde mental. Émile Durkheim, em sua obra O Suicídio (1897), destacou que o fenômeno é profundamente influenciado pela integração e regulação social. Para Durkheim, o colapso das estruturas que dão sentido à vida, como família, religião e sociedade, gera um estado de anomia que deixa o indivíduo vulnerável ao desespero.

Albert Camus, em O Mito de Sísifo (1942), aborda o suicídio sob uma perspectiva existencialista, argumentando que a vida é essencialmente absurda, mas que o enfrentamento desse absurdo pode ser uma forma de resistência e de criação de sentido. Já Jean Twenge, em iGen (2017), analisa o impacto do ciberespaço na formação do "eu", apontando para a fragmentação identitária e a dependência de validação externa como fatores que amplificam o vazio existencial.

Este artigo busca articular os pensamentos desses três autores para compreender como as mudanças sociais e tecnológicas podem ter contribuído para o aumento do suicídio, considerando-o como um reflexo das condições discursivas e materiais da contemporaneidade.

1. Durkheim e o Amparo Social

Em O Suicídio, Durkheim identifica três tipos de suicídio: egoísta, altruísta e anômico. Este último é especialmente relevante para o contexto atual, pois ocorre quando há uma ruptura nas normas sociais, deixando o indivíduo desamparado. Para Durkheim, instituições como família, religião e sociedade funcionavam como pilares de integração, protegendo o indivíduo de estados de vazio existencial.

No entanto, na modernidade, essas estruturas estão em declínio:

Família: Laços familiares tornaram-se mais frágeis e mediados pela tecnologia.

Religião: A secularização enfraqueceu a capacidade da religião de oferecer sentido transcendental.

Sociedade: A fragmentação social e a liquidez das relações comprometem a solidariedade coletiva.


A ausência desses alicerces cria um estado de anomia que, segundo Durkheim, aumenta o risco de suicídio.

2. Camus e a Revolta contra o Absurdo

Camus aborda o suicídio de forma filosófica, questionando se a vida vale a pena ser vivida diante de sua aparente falta de sentido. Para ele, a existência humana é marcada pelo confronto com o absurdo: a tensão entre o desejo de sentido e a indiferença do universo.

Sua resposta ao absurdo é a revolta: a criação de sentido pelo próprio indivíduo, mesmo sabendo que a vida não possui um propósito intrínseco. No entanto, na sociedade contemporânea, o esforço de Sísifo—empurrar a pedra da rotina e encontrar significado no ato de viver—torna-se mais difícil, pois o "eu" é constantemente distraído pelas demandas externas e pela busca de validação nas redes sociais.

3. Twenge e o "Eu Observado" no Ciberespaço

Jean Twenge, em iGen, analisa como a geração que cresceu imersa em tecnologia digital vive em um estado de anomia. Para Twenge, o "eu" contemporâneo é caracterizado por:

Fragmentação Identitária: A construção de múltiplas versões do "eu" nas redes sociais compromete a autenticidade.

Busca de Validação Externa: O valor do indivíduo é medido por "likes" e seguidores, gerando uma dependência de aprovação alheia.

Superficialidade: As interações no ciberespaço são transitórias e não oferecem o suporte emocional das relações presenciais.


Esses fatores criam um "eu" esvaziado de sentido, que não encontra suporte nas estruturas tradicionais nem na própria capacidade de ressignificar a existência.

4. Dados Alarmantes sobre o Suicídio no Brasil

Dados do Conselho Federal de Psicologia (CFP) indicam que cerca de 800 mil pessoas morrem por suicídio no mundo anualmente, sendo a segunda principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos. No Brasil, os números são alarmantes: aproximadamente 12 mil casos de suicídio por ano, com um aumento significativo entre jovens e adolescentes nos últimos anos. Essa realidade exige atenção às questões estruturais, sociais e tecnológicas que impactam a subjetividade e a saúde mental. (CFP, 2024)

Conclusão

Durkheim, Camus e Twenge oferecem perspectivas complementares para compreender o aumento do suicídio na contemporaneidade. Enquanto Durkheim aponta para a dissolução das estruturas sociais como causa do desamparo, Camus propõe que o sentido deve ser criado pelo próprio indivíduo. Twenge, por sua vez, revela que o "eu" contemporâneo, diluído no ciberespaço, carece tanto de integração social quanto de autonomia interna.

O suicídio, portanto, não pode ser entendido apenas como um fenômeno individual, mas como reflexo das condições discursivas e materiais da modernidade. A dissolução das estruturas tradicionais, aliada à fragmentação do "eu" no ambiente digital, cria um estado de vulnerabilidade que exige reflexão e debate.

Referências

https://site.cfp.org.br/tag/suicidio/

https://www.ispsn.org/content/o-suicidio-e-os-desafios-para-psicologia
CAMUS, Albert. O Mito de Sísifo. Rio de Janeiro: Record, 2004.


DURKHEIM, Émile. O Suicídio: Estudo Sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

TWENGE, Jean. iGen: Por que os superconectados estão crescendo menos rebeldes, mais tolerantes, menos felizes e despreparados para a vida adulta. São Paulo: HarperCollins, 2018.

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. A questão do suicídio: dados e desafios. Disponível em: https://site.cfp.org.br. Acesso em: 15 dez. 2024.

#maispertodaignorancia
@joseantoniolucindodasilva

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