Durante minha breve estada nesta existência, refleti sobre as celebrações recorrentes, como o Natal e o Ano Novo, momentos que simbolizam o melhor da bondade e da renovação. No entanto, há uma contradição intrínseca em tais discursos. Por um lado, o desejo de "bem-estar ao outro" é uma afirmação universal, proclamada por meio de palavras e gestos de afeto. No entanto, a materialidade dessas datas, imersa na lógica do consumo, limita a capacidade dessas expressões de realmente afetar a todos de maneira igual.
O que me chama a atenção é a ironia que permeia essas celebrações. Ao desejar um "Feliz Natal", por exemplo, estou, muitas vezes, não apenas oferecendo algo ao outro, mas também reafirmando a minha própria necessidade de ser reconhecido, de manter uma narrativa de bondade e virtude. Como se, ao agir com generosidade, eu estivesse buscando, na verdade, a validação de meu próprio "eu". Essa ambivalência é clara: a bondade não atinge a todos, porque, no fim, ela também se traduz no consumo e, consequentemente, na reafirmação da própria individualidade.
O discurso de bondade é muitas vezes uma máscara para a necessidade de existir dentro de uma estrutura de consumo. Como Marx nos alertou, as condições materiais de vida nos moldam, e o consumo se torna não apenas um meio de adquirir objetos, mas uma forma de garantir nossa própria existência discursiva. Em uma sociedade em que a valididade de um "eu" está atrelada ao consumo e à visibilidade nas redes, o simples ato de celebrar, mesmo que com boas intenções, é permeado por essa contradição. O "quero bem ao outro" se transforma, na prática, em "quero bem a mim mesmo", pois é meu próprio ser que precisa ser alimentado por meio dessas trocas.
Para ilustrar essa contradição, considero a metáfora da chuva. Para aqueles que residem em condomínios fechados, protegidos e seguros, a chuva pode ser vista como algo acolhedor, romântico até. No entanto, para os que vivem em condições precárias, sem saneamento básico adequado ou em estruturas vulneráveis, a chuva se torna uma ameaça, um tormento que afeta diretamente sua sobrevivência. A mesma chuva, portanto, pode ser vista de formas diametralmente opostas, dependendo das condições materiais em que o sujeito se encontra. Essa discrepância revela, de forma crua, como a materialidade do mundo em que vivemos influencia nossa percepção e experiência de eventos aparentemente universais.
Refletindo sobre isso, percebo que, como indivíduos, estamos imersos em uma lógica que não podemos facilmente transcender. A lógica do consumo nos cerca de tal forma que a própria celebração de datas como o Natal, ao invés de representar uma verdadeira transformação, acaba sendo uma confirmação das estruturas que perpetuam a desigualdade e a alienação. Não se trata de uma crítica ao consumismo em si, mas de uma constatação da impossibilidade de escapar de sua lógica, pois, de certa forma, até o ato de desejar um "Feliz Natal" está atrelado à necessidade de ser visto, de ser validado.
As condições materiais, como diria Marx, não são apenas determinantes de nossa existência física, mas também moldam nossos pensamentos, nossas ações e até mesmo nossos desejos. Nesse sentido, somos prisioneiros de uma estrutura que, por mais que tentemos desafiar, nos define em todos os aspectos de nossa vida cotidiana. Esse paradoxo — de tentar oferecer bondade ao outro, ao mesmo tempo em que reafirmamos a nossa própria necessidade de consumo e validação — é, sem dúvida, uma das questões mais complexas da experiência humana.
Referências:
MARX, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política. 10. ed. São Paulo: Editora Abril, 1988.
MARTINS, José de Souza. A sociologia do trabalho e suas implicações no consumo. São Paulo: Editora Contexto, 2003.
BAUMAN, Zygmunt. A Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.
#maispertodaignorancia
@joseantoniolucindodasilva
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