Marte, Elon Musk e a Riqueza do Vazio
O que é ser rico na contemporaneidade? Parece ser mais uma questão de saber contar histórias do que possuir qualquer coisa palpável. Tomemos Elon Musk como exemplo. Alçado ao panteão dos "deuses modernos" pela mídia e por seus seguidores digitais, ele encarna o papel de visionário absoluto: o homem que nos levará a Marte, colonizará desertos e, de quebra, implantará chips em cérebros humanos. Mas será que estamos falando de riqueza ou de um espetáculo cuidadosamente ensaiado para alimentar uma narrativa?
A riqueza de Musk é performativa. Ele é o grande maestro de um discurso onde foguetes e carros elétricos simbolizam o "futuro da humanidade". No entanto, essa fortuna não se traduz em algo tão tangível quanto imaginamos. Sua maior habilidade não é acumular dinheiro, mas acumular narrativas — narrativas que nos fazem acreditar que ele é, de fato, o homem mais rico do mundo, mesmo que, na prática, boa parte de seu capital esteja ancorada em ações e especulações tecnológicas.
E o que dizer de sua obsessão por Marte? Um deserto congelado e hostil, sem atmosfera respirável e sem as condições básicas para a sobrevivência humana. Mas Musk nos vende a ideia de que a colonização do planeta vermelho é a solução para os nossos problemas na Terra. Solução para quem, exatamente? Não para a esmagadora maioria da humanidade, que sequer tem acesso a saneamento básico. Marte é o sonho de consumo de uma elite que já abandonou qualquer esperança de consertar este planeta.
A questão não é apenas a inviabilidade material dessa empreitada, mas o que ela representa simbolicamente. Marte não é um destino; é uma ideia. Uma narrativa perfeita para distrair as massas e justificar bilhões de dólares em investimentos que, curiosamente, não retornam para resolver problemas mais imediatos, como fome, desigualdade ou a devastação ambiental. Afinal, por que consertar o que já temos quando podemos simplesmente fugir?
Mas não sejamos injustos. Musk não inventou esse tipo de discurso; ele apenas o aperfeiçoou. Antes dele, tínhamos Bill Gates, o eterno filantropo; Steve Jobs, o gênio da simplicidade; e Mark Zuckerberg, o conector de pessoas (mesmo que isso signifique destruir a privacidade delas no processo). A diferença é que Musk levou a teatralidade a um nível extremo. Ele não apenas vende produtos ou serviços; ele vende a ideia de um futuro inteiro.
Porém, é preciso perguntar: esse futuro é mesmo desejável? Imagina-se que, em Marte, viveremos livres das limitações da Terra, mas ninguém fala dos custos éticos e materiais dessa aventura. E aqui não estamos falando apenas de dinheiro. Estamos falando de corpos humanos sendo usados como experimentos para implantes cerebrais ou para suportar condições extremas em outro planeta. E tudo isso sob a justificativa de "progresso".
É curioso como o discurso do progresso, tão amplamente utilizado, é aceito sem grandes questionamentos. Parece que esquecemos de perguntar: progresso para quem? Para os bilhões de pessoas que vivem na pobreza ou para as corporações que lucram com suas promessas? A colonização de Marte, assim como os implantes cerebrais, não é um progresso coletivo, mas uma utopia privatizada, projetada para beneficiar aqueles que já estão no topo da pirâmide.
E é aqui que a ironia se aprofunda. Vivemos em um mundo onde a felicidade e a amizade continuam sendo conceitos vagos e inalcançáveis, mas onde a colonização de outro planeta é tratada como uma prioridade. Não conseguimos resolver questões básicas de convivência aqui na Terra, mas acreditamos que seremos capazes de construir uma sociedade perfeita em um deserto interplanetário.
Além disso, a idolatria em torno de Musk e outros bilionários reflete uma superficialidade discursiva que transforma a riqueza em um espetáculo. Não importa se o que é vendido é viável ou não, desde que pareça grandioso. Estamos tão fascinados por narrativas de sucesso que nos tornamos consumidores passivos, incapazes de questionar a validade ou a ética dessas histórias.
No fim das contas, Musk não é um bilionário no sentido clássico do termo. Ele é um narrador. E nós, seus espectadores, continuamos aplaudindo suas histórias, mesmo que elas estejam completamente desconectadas da realidade material. Mas quem se importa? Vivemos na era da discursividade, onde a verdade é irrelevante, e a performance é tudo.
O problema é que, enquanto nos perdemos em narrativas sobre foguetes e colônias interplanetárias, esquecemos das questões realmente urgentes. A destruição do meio ambiente, a desigualdade social e a alienação coletiva são problemas muito mais reais do que qualquer promessa de vida em Marte. Mas, aparentemente, encarar esses problemas de frente é muito menos atraente do que sonhar com o impossível.
Referências
1. Han, Byung-Chul. A Sociedade do Cansaço. Vozes, 2015.
2. Freud, Sigmund. O Mal-Estar na Civilização. L&PM, 2011.
3. Marx, Karl. O Capital. Boitempo, 2017.
4. Zuboff, Shoshana. A Era do Capitalismo de Vigilância. Intrínseca, 2020.
5. Harari, Yuval Noah. Homo Deus: Uma Breve História do Amanhã. Companhia das Letras, 2016.
#maispertodaignorancia
@joseantoniolucindodasilva
Comentários
Enviar um comentário