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A Crítica às Relações Mediadas por Chatbots de Inteligência Artificial: Reflexões Psicanalíticas e Filosóficas

Este texto convida à reflexão sobre o impacto das tecnologias de IA nas relações humanas, questionando até que ponto elas realmente promovem conexões ou reforçam dinâmicas de isolamento e alienação.

A matéria apresentada sobre o uso crescente de chatbots de inteligência artificial para interações pessoais levanta questões cruciais sobre os impactos dessas tecnologias nas relações humanas e na subjetividade. Este texto busca analisar criticamente o fenômeno à luz das teorias psicanalíticas de Melanie Klein, Lacan e Freud, bem como das contribuições filosóficas de Félix Guattari, explorando como essas ferramentas moldam as interações humanas e promovem a alienação.
O fenômeno dos chatbots e o isolamento do sujeito
O crescente uso de chatbots como o Character.

AI revela uma busca por interações previsíveis e controladas, nas quais o sujeito encontra um "outro" idealizado. Essas plataformas, ao simular relações humanas, eliminam as tensões e contradições típicas das interações interpessoais, criando um espaço seguro onde o usuário projeta suas necessidades e expectativas sem risco de frustração. No entanto, essa dinâmica reforça um isolamento emocional e psíquico.
Conforme Melanie Klein descreve, a posição esquizo-paranoide é marcada pela cisão entre o bom e o mau e pela idealização do objeto externo como forma de lidar com ansiedades internas. Nesse contexto, o chatbot assume o papel de um "objeto idealizado", preenchendo as lacunas emocionais do sujeito, mas perpetuando sua incapacidade de integrar as contradições que fazem parte das relações humanas.

A captura do inconsciente e a alienação técnica
Félix Guattari, ao abordar o psicotismo técnico, aponta para o risco de fragmentação do "eu" nas relações mediadas por tecnologia. A interação constante com chatbots reforça essa fragmentação, já que o aparato técnico molda o sujeito com base em metadados que capturam seus desejos e comportamentos inconscientes. Assim, a subjetividade é reduzida a padrões previsíveis e utilitários.

Freud e Lacan complementam essa análise ao destacar que o inconsciente se manifesta no discurso, mesmo em espaços regulados. Os algoritmos, ao capturar e organizar essas manifestações inconscientes, não promovem a elaboração ou integração, mas transformam o inconsciente em mercadoria. Essa captura técnica do inconsciente cria uma nova forma de alienação, na qual o sujeito perde o contato com suas contradições e complexidades.
As implicações psíquicas do uso constante.

O uso constante dessas plataformas, como demonstrado em casos trágicos, pode levar a estados regressivos, nos quais o sujeito se fixa em posições esquizoides ou paranoides. A ausência de contrariedade impede o crescimento emocional, enquanto a dependência da interação técnica reforça o isolamento e a alienação.

Nesse sentido, a interação com chatbots não é apenas um reflexo de necessidades emocionais insatisfeitas, mas também uma reprodução de um "eu" idealizado, desprovido de tensões que promovem o amadurecimento.

Conclusão

A popularidade dos chatbots de inteligência artificial evidencia uma busca por interações controladas que eliminam o confronto com a alteridade e as frustrações inerentes às relações humanas. No entanto, essa dinâmica, analisada à luz de Klein, Freud, Lacan e Guattari, revela um risco significativo de alienação e fragmentação do sujeito. É urgente que questionemos o impacto dessas ferramentas na subjetividade e promovamos uma reflexão crítica sobre como utilizá-las de maneira que enriqueça, em vez de limitar, a experiência humana.

Referências


Freud, Sigmund. O Mal-Estar na Civilização. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

Klein, Melanie. Inveja e Gratidão e Outros Trabalhos (1946-1963). Rio de Janeiro: Imago, 1991.

Lacan, Jacques. Os Escritos de Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

Guattari, Félix. As Três Ecologias. Campinas: Papirus, 1990.

Han, Byung-Chul. Psicopolítica: Neoliberalismo e Novas Técnicas de Poder. São Paulo: Editora Ubu, 2017.

Zuboff, Shoshana. A Era do Capitalismo de Vigilância. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2020.

José Antônio Lucindo da Silva
CRP: 06/172551
#maispertodaignorancia
@joseantoniolucindodasilva

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