Do sonho da carreira na TI à frustração com o algoritmo que te substitui
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Análise crítica – Mais Perto da Ignorância
Antes, ser formado em TI era sinônimo de estabilidade e prestígio. Hoje, essa promessa já não sustenta. O interesse em Inteligência Artificial (IA) disparou — vagas que exigem conhecimento em IA quadruplicaram entre 2021 e 2024 no Brasil. Para essas posições, os salários cresceram duas vezes mais rápido que os demais cargos em TI . O mercado grita: "Adaptem-se ou desapareçam".
Mas há uma contradição visível: a IA não apenas abre portas — ela também fecha várias outras. Pesquisas mostram que 59% dos profissionais de TI relatam estresse ao correr atrás da onda da IA, que muda mais rápido do que a capacidade de aprendizado humano . A valorização crescente do “prompt engineer” exemplifica como parte do trabalho foi absorvido pela própria máquina .
Esse cenário é um retrato da contemporaneidade fragmentada que Bauman tão bem diagnosticou: em vez de esperança líquida, encontramos ansiedade líquida, uma urgência por atualização que nunca termina. O trabalhador, antes sujeito ativo, torna-se refém de um ciclo que exige “estudo eterno” — não para inovar, mas para não se tornar obsoleto .
Marx nos lembraria: a tecnologia não suprime o trabalho; ela transforma o trabalhador em insumo descartável. A IA realoca funções, reduz demandas humanas e, ao mesmo tempo, exige que as poucas que restam sejam executadas com mais “valorização pessoal”.
Há, ainda, um paradoxo interessante no próprio bojo da automação. Dados apontam que cerca de 80% da força de trabalho nos EUA pode ter pelo menos 10% de suas tarefas impactadas por LLMs (como os modelos GPT) — e cerca de 19% das pessoas podem ter 50% ou mais dessas tarefas afetadas . A tecnologia avança como tsunami, e só aprendemos a boiar diante dele.
Porém, nem tudo é tragédia absoluta. A IA também cria novas demandas para quem consegue se reinventar. Estudos mostram que a demanda por habilidades complementares — como literacia digital, trabalho em equipe e ética — cresce cerca de 50% mais do que por tarefas substituíveis . Ou seja, há campos que só o humano pode ocupar — e que a máquina não consegue colonizar (ainda).
No Brasil, o “desemprego tecnológico” já ocupa um espaço real. O Instituto Digital Brasileiro aponta que o número de profissionais de TI desempregados aumentou consideravelmente em razão da automação crescente . Isso aprofunda o mal-estar, na vertente freudiana: entre o ideal do eu (profissional valorizado) e o eu real (angi no desemprego). E André Green chamaria esse estado de “ausência em potencial”: presença física, ausência de sentido social.
Byung-Chul Han diria que vivemos a era da “autoexploração voluntária”: o profissional se sente culpado por não acompanhar, por não entender, por ter paralisia diante da velocidade. A pressão não vem de cima, mas de dentro, moldada por idealizações e comparações.
Não é o fim, mas é uma transição traumática. O capital de vigilância (Zuboff) agora monitora não apenas nossos dados, mas nossa relevância profissional em tempo real — e ajusta os salários baseando-se nisso. Quem não entrega, some; e “entregar” virou tarefa diária.
Referências:
ACADEMIA: ELoundou, T.; Manning, S.; Mishkin, P.; Rock, D. GPTs are GPTs: An Early Look at the Labor Market Impact Potential of Large Language Models. arXiv, 17 mar. 2023.
ACADEMIA: Mäkelä, E.; Stephany, F. Complement or substitute? How AI increases the demand for human skills. arXiv, 27 dez. 2024.
ACADEMIA: Ozgul, P. et al. High-skilled Human Workers in Non-Routine Jobs are Susceptible to AI Automation but Wage Benefits Differ between Occupations. arXiv, 9 abr. 2024.
HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Petrópolis: Vozes, 2015.
MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. São Paulo: Boitempo, 2013.
FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. Rio de Janeiro: Imago, 2010.
ZUBOFF, Shoshana. A era do capitalismo de vigilância. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2020.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
Nota sobre o autor
Esta análise segue o espírito editorial do projeto Mais Perto da Ignorância, que trabalha a interseção entre tecnologia, subjetividade e crítica existencial, sem ilusões.
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Palavras-chave
inteligência artificial, desemprego tecnológico, TI, mercado de trabalho, reinvenção profissional, capitalismo de vigilância, soc. do desempenho, ansiedade digital
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