TDAH: o novo vilão da performance ou mais um diagnóstico para calar a angústia?
TDAH: o novo vilão da performance ou mais um diagnóstico para calar a angústia?
Resumo
O presente artigo discute criticamente a midiatização do TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade) à luz do discurso psicossocial contemporâneo. Partindo da análise do material publicado pelo Estado de Minas (2025), reflete-se sobre como a retórica “gentil” de desconstrução de mitos pode ocultar a captura do sofrimento psíquico por uma lógica performática. Referenciais teóricos como Freud, Fédida, Bauman, Han, Green e Cioran sustentam a crítica à normatização diagnóstica e à funcionalidade subjetiva exigida no neoliberalismo de si. O texto se inscreve na proposta do projeto Mais Perto da Ignorância, buscando reencenar a dúvida como virtude e o desespero como condição epistêmica.
Palavras-chave: TDAH; subjetividade; performance; diagnóstico; discurso.
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A ilusão do esclarecimento: desmontar ou vender?
O casal britânico Richard e Roxanne Pink, celebrados nas redes sociais por “desconstruir mitos” sobre o TDAH, oferecem uma narrativa que mistura empatia, autoajuda disfarçada e performatividade digital. Com 2,5 milhões de seguidores, sua “desmistificação” das causas do TDAH substitui julgamentos morais por uma explicação técnica: “não é preguiça, é disfunção executiva”.
O problema é que essa narrativa não liberta — apenas substitui uma prisão por outra. O erro, antes pecado, agora vira falha de sistema. E, na falha, vende-se um produto: o acolhimento funcional.
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A performance exigida da diferença
Byung-Chul Han (2015) afirma que vivemos numa era do cansaço, onde o sujeito é empresário de si mesmo. O diagnóstico, então, não serve para proteger o sujeito — mas para permitir que ele continue funcionando. Freud (1930) já nos dizia que a civilização exige o recalque. Hoje, recalca-se a angústia com linguagem inclusiva e posts bem diagramados. Como alerta Fédida (2001), a depressividade surge da impossibilidade do luto. E o TDAH digital se transforma em luto impossível da atenção plena.
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Apoio ou algoritmo?
A promessa de acolhimento mediático não é neutra. Como lembra Bauman (2004), as relações líquidas não sustentam o peso da dor. Elas fluem — e escorrem para longe. A identidade TDAH funciona, assim, como uma narrativa algorítmica de pertencimento. Green (2005) observa que no narcisismo de morte, o outro não é objeto de desejo, mas apenas reflexo.
Não há vínculo, há reflexo. Não há escuta, há engajamento.
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Diagnóstico como dispositivo de obediência
No fundo, o TDAH se tornou o álibi para continuar na engrenagem. Ele absolve a culpa do fracasso e vende, no lugar, um manual de adaptação. A dúvida — esse espaço vivo do pensamento — é eliminada. Como escreveu Cioran (2003), a dúvida serve apenas para disfarçar o desespero. E nada mais desesperador do que um diagnóstico que vem com legenda e hashtag.
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Referências
BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
CIORAN, Emil. Breviário de decomposição. São Paulo: Rocco, 2003.
ESTADO DE MINAS. Especialistas britânicos desmontam os grandes mitos do TDAH. Estado de Minas, 3 jul. 2025. Disponível em: https://www.em.com.br/saude/2025/07/7189804-especialistas-britanicos-desmontam-os-grandes-mitos-do-tdah.html. Acesso em: 04 jul. 2025.
FÉDIDA, Pierre. O ofício de paciente. São Paulo: Escuta, 2001.
FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. Obras completas, v. XXI. Rio de Janeiro: Imago, 1930.
GREEN, André. Narcisismo de vida, narcisismo de morte. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005.
HAN, Byung-Chul. A sociedade do cansaço. Petrópolis: Vozes, 2015.
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Autor
José Antônio Lucindo da Silva, CRP 06/172551
Psicólogo clínico, pesquisador independente no Blog “Mais Perto da Ignorância”
#maispertodaignorancia
Data: 04 de julho de 2025
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