Silêncio:
essa nova ameaça ao engajamento
O lead (ou o silêncio que
incomoda)
Você já tentou ficar
em silêncio? Não um silêncio estilizado, com incenso e playlist de “vibração
alfa”. Estou falando do verdadeiro: o silêncio que coça. Que confronta. Que
pergunta o que você pensa quando ninguém está te dizendo o que pensar. Pois é.
Esse silêncio — que já foi espaço de elaboração, dor e respiro — virou crime
não monetizável na lógica mediática.
Num tempo onde até a
dúvida virou filtro de conteúdo, o silêncio é subversão. E não é porque ele tem
algo a dizer, mas porque ele não precisa dizer.
Performance e poeira: o tempo
que não rende like
O mercado já roubou
o sono, a atenção e até a empatia. Agora, se dedica a sequestrar o tempo da
elaboração. Vivemos numa era onde pensar exige agilidade e a pausa é confundida
com procrastinação. Mas como elaborar algo sem demora? Como transformar vivência
em discurso se tudo precisa sair com copy chamativa e até a dor precisa
viralizar?
Marx já avisava: os
meios de produção moldam os modos de pensar. Só esquecemos que agora o
meio de produção é o feed. E ele exige opinião, identidade, posicionamento e
hashtags. Tudo rápido. Tudo limpo. Tudo inútil.
Silêncio: materialidade ou
preguiça do algoritmo?
Dentro da clínica, o
silêncio não é ausência. É presença bruta. É a hora em que o paciente para de
se ouvir para começar a se escutar. Mas na vida digital, o silêncio virou zona
de exclusão: quem não posta não vive, quem não opina é cúmplice, quem pausa está
perdendo a narrativa.
Na verdade, a única
coisa que se perde é o contato com a própria materialidade. E aqui falo de
chão. Corpo. Quarto bagunçado. Pele que envelhece fora do filtro. A tal da
vida, essa indelicadeza biológica que não cabe nos stories.
Discursividade líquida:
curtidas como forma de afeto
Bauman teria dado
risada se vivesse para ver isso: a liquidez virou gás. A identidade se desfaz
em opiniões temporárias, as relações são mantidas por reações, e a
subjetividade virou funcionalidade algorítmica. Você sente? Não importa. Desde
que alguém comente “forças”.
O que importa é
discursar. E que esse discurso cumpra sua função: preencher o silêncio com algo
que pareça você, mas que funcione para todos.
A única vida vivida
Entre um post e
outro, talvez reste aquele lampejo: “a única vida vivida foi a que
ficou atrás de mim”. A frase, seca como parede grafitada, lembra que
só se vive o que foi realmente vivido. O que foi sentido sem roteiro, sem copy.
O que doeu sem render conteúdo. O que silenciou e, mesmo assim, sobreviveu.
E aqui,
ironicamente, o silêncio não é vazio. É testemunha.
Conclusão? Nunca
Falar virou vício.
Pausar, desvio. Mas o silêncio — esse silêncio feio, bruto, sem fundo musical —
talvez ainda seja o único espaço onde o sujeito possa existir fora da demanda,
longe da performance, e próximo de algo que só se revela quando ninguém está
medindo.
Portanto, da próxima
vez que sentir a urgência de discursar sobre o que sente, respire. Espere. Talvez
não seja você quem está sentindo — talvez seja só o algoritmo te cutucando para
performar mais uma vez.
Referências:
- BAUMAN, Zygmunt. Amor
líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de
Janeiro: Zahar, 2004.
- MARX, Karl. Teses
sobre Feuerbach (1845). In: A
ideologia alemã. São Paulo: Boitempo, 2007.
- FREUD, Sigmund. O
mal-estar na civilização. Obras completas, vol. XXI. Rio de
Janeiro: Imago, 1974.
- GOOGLE Notícias. Por
que um dos povos mais felizes do mundo não gosta de jogar conversa fora e
prefere o silêncio. Disponível em: https://share.google/Rh5IdRlhwZsMUTu5O. Acesso em: 04 jul.
2025.
Comentários
Enviar um comentário