A Máquina Não Cansa: A Nova Obsolescência do Trabalhador Brasileiro
A Máquina Não Cansa: A Nova Obsolescência do Trabalhador Brasileiro
(Mais Perto da Ignorância)
A inteligência artificial deixou de ser promessa futurista e passou a ditar regras em um presente cada vez mais automatizado. Enquanto CEOs de empresas como Amazon anunciam cortes em massa e preveem que metade dos empregos de entrada desaparecerá, a engrenagem da eficiência segue girando — e atropelando. Mas e no Brasil? O que nos resta diante de um cenário em que a máquina não cansa, não reclama e, principalmente, não precisa de salário?
A resposta é amarga: nos resta correr, adaptar-se ou aceitar a invisibilidade. Em um país com quase 40% da população ativa na informalidade, a chegada da IA não significa libertação, mas intensificação da precariedade. A diferença é que, agora, a exclusão é feita com algoritmos, gráficos e dashboards que, ironicamente, não apresentam erro.
O discurso de inovação, aqui, veste a fantasia do progresso, mas por baixo há o velho enredo da desigualdade. A substituição de trabalhadores por máquinas já acontece em setores logísticos, bancários, administrativos e até no judiciário. No entanto, sem políticas públicas de requalificação técnica, a maioria será deixada para trás — não por falta de esforço, mas por falta de acesso.
A lógica é simples (e cruel): enquanto o discurso tecnológico promete desempenho, o trabalhador brasileiro é empurrado para um espelho rachado, onde não se vê mais como sujeito, mas como ruído em um sistema automatizado. A IA não apenas ocupa funções; ela reestrutura a forma como pensamos o trabalho. Sob o verniz do mérito, instala-se um novo paradigma: o trabalhador deve se parecer com a máquina ou será descartado como defeituoso.
Mais grave ainda é o silêncio institucional diante desse colapso anunciado. Falta regulação, falta debate, falta ética. E sobra performance. Somos instados a sermos produtivos, mas sem as condições materiais para isso. Como alertou Byung-Chul Han, a violência contemporânea não vem da repressão, mas da liberdade exacerbada — da autoexploração mascarada de escolha.
O que chamam de revolução tecnológica pode ser, na verdade, o aprofundamento da obsolescência programada do humano. E se não criarmos narrativas políticas e éticas que resistam à automatização total da vida, a ignorância sobre nós mesmos será o verdadeiro motor dessa revolução.
Referências :
BYUNG-CHUL, Han. Sociedade do Cansaço. Petrópolis: Vozes, 2015.
DEUTSCHE WELLE. A inteligência artificial vai mesmo dizimar postos de trabalho para humanos? UOL Tilt, 28 jun. 2025.
Disponível em: https://www.uol.com.br/tilt/ultimas-noticias/deutschewelle/2025/06/28/a-inteligencia-artificial-vai-mesmo-dizimar-postos-de-trabalho-para-humanos.htm. Acesso em: 2 jul. 2025.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – PNAD Contínua. Rio de Janeiro: IBGE, 2024.
Autor:
José Antônio Lucindo da Silva, CRP 06/172551. Psicólogo clínico, pesquisador independente no Blog “Mais Perto da Ignorância”.
#maispertodaignorancia
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