Você pensa, ou pensaram por você?
O marketing silencioso que desliga seu livre-arbítrio sem pedir licença
Por José Antônio Lucindo da Silva |
#maispertodaignorancia
O que é pensar hoje?
Pensar, em 2025, talvez seja apenas um ruído entre um clique e outro. E se eu te dissesse que talvez suas decisões de compra, seu desejo por aquele tênis fluorescente ou até mesmo o scroll infinito às três da manhã tenham sido menos escolhas e mais condicionamentos cuidadosamente cultivados? Bem-vindo ao neuromarketing — ou melhor, ao teatro neuroalgorítmico da obediência sem consciência.
O que antes era um “estímulo de venda” hoje se tornou engenharia comportamental de precisão. A propaganda não seduz: programa. Não te convida: te antecipa.
Neuromarketing: o bisturi que ri em silêncio
Segundo artigo publicado no portal ConJur, o neuromarketing utiliza dados cerebrais, batimentos cardíacos, respostas pupilares e outros sinais biológicos para mapear vulnerabilidades cognitivas e usá-las a favor do consumo. Tudo isso sob o manto da ciência — e do “consentimento”.
Mas há um abismo entre saber que está sendo manipulado e saber como isso está acontecendo. E é exatamente nesse abismo que reside o lucro. O código-fonte do desejo virou commodity. A vontade, moeda especulativa.
Cathy O’Neil e o algoritmo como arma:
Cathy O’Neil já denunciava em 2016 que algoritmos usados sem transparência ou regulação clara se transformam em armas de destruição em massa. Não explodem prédios — destroem biografias, decisões e, sobretudo, o senso de autonomia. Seu algoritmo favorito pode saber, com margem estatística confortável, quando você vai ceder ao próximo anúncio com trilha sonora melancólica e botão em verde neon.
Autonomia, nesse contexto, é apenas uma palavra bonita no contrato que você não leu.
Zuboff e o capitalismo de vigilância
Shoshana Zuboff aprofunda a ferida:
O neuromarketing não é só técnica — é modelo de negócios. Tudo o que você faz — do tempo que fica num vídeo até os emojis que escolhe — vira dado. E esse dado vira previsão. E essa previsão vira manipulação. O que você chama de livre-arbítrio, o mercado chama de excedente comportamental.
Você não é o consumidor. Você é o produto com prazo de atenção programado.
E o psicológico disso tudo?
Do ponto de vista psicossocial, estamos diante de uma nova forma de dominação simbólica. Ela não se impõe pela repressão direta, mas pela ilusão de liberdade. O sujeito contemporâneo é livre para consumir qualquer coisa — desde que siga os scripts invisíveis traçados por suas próprias vulnerabilidades emocionais.
Como diria Freud, a pulsão de morte ganhou Wi-Fi.
Na clínica, os sintomas mudaram de nome, mas não de função: ansiedade, FOMO, depressão funcional. O sujeito está esgotado, mas convencido de que se trata apenas de “baixo desempenho”. A crítica virou ruído. E o silêncio, uma ameaça.
Referências:
O’NEIL, Cathy. Algoritmos de destruição em massa: como o big data aumenta a desigualdade e ameaça a democracia. Tradução de George Schlesinger. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 2019.
ZUBOFF, Shoshana. A era do capitalismo de vigilância: a luta por um futuro humano na nova fronteira do poder. Tradução de George Schlesinger. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2021.
SILVA, Leonardo José de Oliveira.
Considerações sobre o neuromarketing e sua regulação. Consultor Jurídico, 24 jun. 2025. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2025-jun-24/consideracoes-sobre-o-neuromarketing-e-sua-regulacao/. Acesso em: 25 jun. 2025.
Comentários
Enviar um comentário