UPLOAD OU DOWNGRADE? — A fábula high-tech do “céu em nuvem” que derrete o planeta
José Antônio Lucindo da Silva
#maispertodaignorancia
21 de junho de 2025
“Imortalidade digital custa caro: paga-se em carbono, água e, no fim, em organismos de carne que ainda precisam comer algo fora do pendrive.”
Introdução desconfortável
Enquanto gurus da tecnologia vendem um “check-in eterno” na nuvem — basta digitalizar a mente, fazer Ctrl +C na consciência e Ctrl +V num servidor — Miguel Nicolelis aparece como o tio que apaga a luz da festa e lembra: alguém vai pagar a conta de energia. Ele esfria o hype lembrando que não copiamos nem o cérebro de um camundongo inteiro, mas já garantimos filas de investidores ansiosos pelo “download da alma”. De quebra, seus zumbis do romance Nada Mais Será Como Antes carregam baterias às costas: paraíso alucinatório na retina, corpo subnutrido na sarjeta. Troca justa?
1. O upload da consciência… e o download do planeta
- Neuralink, versão pitch-deck: prometer francês fluente via cabo USB rende manchetes e cotação na bolsa; gravar um único pensamento continua tão exato quanto traçar um sanduíche com GPS.
- Data centers famintos: a IEA calcula que o setor dobrará o consumo elétrico global até 2030, chegando perto de 1 000 TWh/ano — maior que o Japão inteiro. Água? Até 2 litros por kWh para resfriar chips que rodarão nossos delírios de imortalidade.
- Subsídio cruzado: cidades oferecem isenção fiscal e energia subsidiada; nós ganhamos emojis de eternidade enquanto a conta de luz real sobe.
2. Deepfakes, ansiedade e a era da não-confiança
Nicolelis declara que o cérebro odeia incerteza. A cada vídeo falso que circula, fabricamos mais dúvida sobre tudo — inclusive sobre avisos científicos que desmentem as próprias big techs. Resultado: ansiedade vira ativo financeiro, tratada com apps pagos de meditação… hospedados nos mesmos servidores sedentos que aquecem o planeta.
3. Distopia ilustrada – o zumbi plug-and-play
No livro, humanos perambulam plugados a baterias que alimentam um “paraíso” neural. A metáfora funciona: corremos atrás da eternidade digital, mas conservamos o corpo biológico degradado (ou descartado). A suposta cura para a finitude termina como monumental erro de escopo: trocamos cemitérios por aterros de lixo eletrônico e CO₂.
Considerações (ironicamente) finais
- Upload ≠ solução ontológica – transferir sinapses para silício não resolve a crise climática; só exporta calor.
- Teknocapitalismo é religião – vende salvação, cobra dízimo e terceiriza pecados ambientais.
- Se a alma coubesse num SSD, ainda precisaríamos de arroz, feijão e Wi-Fi.
#maispertodaignorancia
Referências (ABNT)
NICOLELIS, Miguel. O futuro impossível vendido pelas “big techs”. Coluna VEJA Gente, São Paulo, 18 jun. 2025. Disponível em: https://veja.abril.com.br/coluna/veja-gente/o-futuro-impossivel-vendido-pelas-bigtechs-segundo-miguel-nicolelis/. Acesso em: 21 jun. 2025.
DATACENTERDYNAMICS. IEA: consumo de energia de data centers deve dobrar até 2030 para 945 TWh. 14 abr. 2025. Disponível em: https://www.datacenterdynamics.com/br/notícias/iea-consumo-de-energia-do-data-center-deve-dobrar-até-2030-para-945-twh/. Acesso em: 21 jun. 2025.
PV MAGAZINE BRASIL. IEA: demanda por energia pelos data centers deve dobrar até 2030. 14 abr. 2025. Disponível em: https://www.pv-magazine-brasil.com/2025/04/14/iea-demanda-por-energia-pelos-data-centers-deve-dobrar-ate-2030-chegando-a-945-twh/. Acesso em: 21 jun. 2025.
GAZETA REGIÃO METROPOLITANA. Miguel Nicolelis critica chip da Neuralink: “É só fumaça”. 08 fev. 2024. Disponível em: https://www.calameo.com/books/00599102200a555656e71. Acesso em: 21 jun. 2025.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). Guia ilustrado contra deepfakes. Brasília, 2024. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/desinformacao/doc/Guia%20ilustrado%20Contra%20DeepFakes_ebook%20(1).pdf. Acesso em: 21 jun. 2025.
Comentários
Enviar um comentário