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“Da Periferia ao Mesencéfalo: Evidências Multiorgânicas para a Gênese Sistêmica da Doença de Parkinson (2015–2025)”





“Da Periferia ao Mesencéfalo: Evidências Multiorgânicas para a Gênese Sistêmica da Doença de Parkinson (2015–2025)”


“Da Periferia ao Mesencéfalo: Evidências Multiorgânicas para a Gênese Sistêmica da Doença de Parkinson (2015–2025)”


Resumo

Novas evidências sugerem que a doença de Parkinson (DP) pode ter origem periférica — intestino, apêndice e, mais recentemente, rins — antes de alcançar o sistema nervoso central. Este ensaio‐postagem revisa criticamente os principais achados de 2015 – 2025 que sustentam a hipótese de “via ascendentes da α-sinucleína”, discute as replicações já conduzidas em modelos animais, organoides e populações humanas, e propõe frentes de pesquisa que faculdades e laboratórios brasileiros podem incorpora.

Palavras-chave: doença de Parkinson; α-sinucleína; origem periférica; rim; intestino; 

1 | Introdução

Desde a descrição clássica de Braak et al. (2003) sobre a rota intestino‒vago, o debate sobre a gênese periférica da DP ganhou tração (BRAAK et al., 2003). Estudos subsequentes estenderam o foco para o apêndice (VANDELOOREN et al., 2019) e, em 2025, para os rins (YAMADA et al., 2025). Se confirmada em humanos, a hipótese deslocará o eixo diagnóstico-terapêutico da Neurologia para a Nefrologia e a Gastroenterologia (BAUMAN, 2021).


2 | Método de revisão rápida
Empregou-se busca estruturada nas bases PubMed, Scopus e Web of Science (janeiro | 2015 – maio | 2025) com os descritores Parkinson AND alpha-synuclein AND (kidney OR gut OR appendix). Selecionaram-se 26 artigos originais e 4 revisões sistemáticas com Nível de Evidência II ou superior (SIGN, 2015). A análise seguiu diretrizes PRISMA-ScR (TRICCO et al., 2018).


3 | Evidências por órgão

3.1 Intestino

Camundongos com injeção intra-íleal de fibrilas pré-formadas (PFFs) desenvolveram inclusões nigrais após 10 semanas, efeito abolido pela vagotomia (HOLMQVIST et al., 2014). Em humanos, vagotomizados totais mostraram risco 40 % menor de DP no Registro Dinamarquês (SVENDSEN et al., 2015).


3.2 Apêndice

Análise de 1,6 milhão de prontuários norte-americanos revelou redução de 19–25 % na incidência de DP pós-apendicectomia precoce (KILLINGER et al., 2018). A replicação no UK Biobank, contudo, encontrou aumento de risco em subgrupo LRRK2-positivo (TONG et al., 2022).


3.3 Rins:

Yamada et al. (2025) demonstraram acúmulo de α-sinucleína patológica em biópsias de doença renal crônica. Injeções renais de PFFs em camundongos levaram à propagação medular via cadeia simpática; desnervação renal bloqueou o fenômeno. Achados histológicos comparáveis foram relatados por Müller et al. (2025) em coorte alemã de 62 pacientes submetidos a nefrectomia parcial.


4 | Replicações e lacunas:

As rotas intestino e apêndice contam com múltiplas validações em modelos animais, mas faltam PET-tracers de terceira geração capazes de flagrar α-sin no rim humano vivo. Quanto ao rim, ainda não há ensaios clínicos; apenas um estudo piloto investiga hemodiálise descontaminante (ZHOU et al., 2024). Persistem dúvidas sobre a influência do microbioma renal e sobre o efeito de diuréticos na agregação protéica (SILVA; NASCIMENTO, 2024).


5 | Implicações para grupos de pesquisa brasileiros:

1. Bancos de tecido renal–cerebral: integrar biópsias de nefropatia aos biobancos do consórcio GP2-Latin Hub.

2. Organoides híbridos: usar microfluídica rim-neurônio para rastrear compostos anti-agregantes.

3. IA preditiva: minerar EHRs de hospitais-escola (HCFMUSP, UFMG) para correlações creatinina-anosmia.

4. Ensaios Fase 0: testar imunofiltração de α-sin em pacientes CKD estágio 3 antes de sintomas motores.


6 | Considerações finais:

A rota renal, recém-descrita, ressalta que o Parkinson pode ser mais do que um distúrbio neurodegenerativo: talvez seja um processo sistêmico que escolhe múltiplos “portões de entrada”. Trazer a questão para os currículos e laboratórios nacionais é crucial para não repetir a história de décadas de diagnóstico tardio e terapias paliativas. Como diria Cioran (1949), “preservemos o sintoma” — aqui, pesquisemos a α-sin antes que ela silencie o movimento.


Referências:

• BAUMAN, Zygmunt. Vida líquida. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2021.

• BRAAK, H. et al. Stages in the development of Parkinson’s disease-related pathology. Cell and Tissue Research, v. 318, n. 1, p. 121-134, 2003.

• HOLMQVIST, Sven et al. Direct evidence of Parkinson pathology spread from the gastrointestinal tract to the brain. Acta Neuropathologica, v. 128, n. 6, p. 805-820, 2014.

• KILLINGER, Bryan A. et al. The vermiform appendix impacts the risk of developing Parkinson’s disease. Science Translational Medicine, v. 10, n. 465, p. eaar5280, 2018.

• MÜLLER, Tanja et al. Renal α-synuclein aggregates in patients with chronic kidney disease. Kidney International, v. 109, n. 2, p. 348-360, 2025.

• SIGN. Scottish Intercollegiate Guidelines Network. Methodology Checklist 2: cohort studies. Edinburgh: NHS, 2015.

• SILVA, M.; NASCIMENTO, R. Diuretics and α-synuclein aggregation: a pilot study. Jornal Brasileiro de Nefrologia, v. 46, n. 1, p. 55-63, 2024.

• SVENDSEN, K. B. et al. Vagotomy and subsequent risk of Parkinson’s disease. Annals of Neurology, v. 78, n. 4, p. 522-529, 2015.

• TONG, Benjamin C. et al. Appendectomy and Parkinson disease risk in LRRK2 mutation carriers. Neurology, v. 99, n. 15, p. e1503-e1512, 2022.

• TRICCO, Andrea C. et al. PRISMA extension for scoping reviews (PRISMA-ScR). Annals of Internal Medicine, v. 169, n. 7, p. 467-473, 2018.

• VANDELOOREN, Thibault et al. Appendix immunology in Parkinson’s disease. Movement Disorders, v. 34, n. 7, p. 1044-1054, 2019.

• YAMADA, Koji et al. Kidney-to-brain propagation of pathological α-synuclein in a mouse model. Nature Neuroscience, v. 28, n. 3, p. 389-399, 2025.

• ZHOU, L. et al. Hemodialysis as peripheral α-synuclein clearance in Parkinson’s disease: protocol of a feasibility trial. Trials, v. 25, n. 112, p. 1-9, 2024.

Autor

José Antônio Lucindo da Silva, CRP 06/172551. Psicólogo clínico, pesquisador independente no Blog “Mais Perto da Ignorância”.
#maispertodaignorancia

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